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Traçando Letras
por Vanessa Cardoso-Whelan
“Nana, você tem que puxar essa linha até o fim — deixa eu te ajudar.”
Miranda guiando a mão da avó com carinho sobre o papel. Juntas, traçam a letra D.
“Estou velha Flor,” disse Nana “Minhas mãos são duras.”
As duas sorriem.
“Você está indo bem, Nana. Continue.
“Obrigada minha Flor. Vou praticar... até o dia da votação.”
Os olhos de Miranda brilharam. “A sua persistência me lembra Armine Gosling, Nana.”
“Quem?”
“Armine Gosling!” Disse Miranda com entusiasmo. “Ela ajudou o movimento sufragista em Newfoundland.”
Miranda subiu numa cadeira e, como uma contadora de histórias nata, começou:
“Era uma vez — não num castelo mágico, mas na vida real, lá em Newfoundland — Havia uma mulher chamada Armine Gosling. Ela não usava coroa nem capa. Usava o cérebro. E a voz!”
Nana ouve atenta.
“Armine nasceu em 1861. Bem antes de você, Nana.”
“Imagino,” respondeu Nana, sorrindo.
“Ela era super inteligente, como eu. Virou professora ainda adolescente. Talvez eu também seja professora um dia.”
“Você já está me ensinando agora, minha Flor.”
“Quando se mudou pra St. John’s, Armine casou com um homem rico chamado William Gosling. Mas não ficou so tomando chá ou comprando chapéus. Nada disso! Ela escrevia cartas pros jornais, usando só as iniciais — A.N.G. — pra ninguém julgá-la por ser mulher.”
“Esperta ela,” disse Nana.
“Naquela época, mulher não podia votar. Mulheres adultas, como a mamãe, não podiam nem escolher seus governantes! “Entao...” Miranda estalou os dedos no ar. “ Armine disse: ‘Helloo? Isso não é justo!’”
Nana imitando Miranda. “Parecida com você essa Armine”.
“Pois é! Ela ajudou a criar o Clube de Leitura e Atualidades para Senhoras e depois a Liga pelo Voto Feminino, em 1920. Foi esse grupo que lutou pelo direito das mulheres ao voto.”
Finalizou Miranda com braços cruzados, como uma pequena revolucionária.
“Muito legal isso,” disse Nana. “Sabia que no Brasil também era assim? As mulheres não podiam votar. Nem a sua bisavó.”
“Espera — deixa eu terminar, depois você conta a sua história. Continue traçando.”
“Oh Desculpa.” Nana voltou a se concentrar, desenhando devagar a letra N.
“Um dia, Armine fez um discurso bem importante no Bennett Hall. Ela disse: ‘Se as mulheres pagam impostos e obedecem às leis, por que não podem ajudar a criá-las?’ Todo mundo aplaudiu — quer dizer, nem todo mundo. Os homens não. Só os espertos.”
“Com certeza,” Nana concordou.
“Em 1925, as mulheres em Newfoundland finalmente puderam votar — mas só se tivessem mais de 25 anos e possuíssem propriedades”
“Deixa eu te contar?” disse Nana, com um brilho nos olhos. “No Brasil foi parecido. Mas tem uma história real e engraçada sobre umas mulheres muito espertas... e uns galinheiros.”
“Galinheiros?” Exclamou Miranda.
“Isso mesmo. Em 1932, o Brasil passou uma lei dizendo que só podiam votar mulheres com emprego e propriedade. Entao algumas mulheres que não tinham propriedades em seu nome resolveram comprar galinheiros.
Miranda arregalou os olhos. “Mentira!”
“É verdade”. Disse Nana “Naquele tempo isso contava como propriedade. Algumas nem tinham galinhas — só precisavam do galinheiro pra fazer a lei funcionar a favor delas, e não contra.”
Miranda estalou os dedos. “Amém, Nana!”
As duas numa risada.
“Enfim,” continuou Miranda, “Armine continuou lutando por justiça até falecer, em 1942. E por causa dela — e de outras mulheres corajosas no mundo todo — a gente pode votar hoje. E um dia, eu também vou votar.”
Nana olhou para o papel sobre a mesa. As letras estavam trêmulas, mas eram dela.
“DONATA,” Miranda leu em voz alta. “Nana, por que você quer aprender a escrever seu nome?”
Nana se levantou: “Porque eu quero assinar meu nome no dia da votação. Quero registrar que eu votei — e deixar todas essas mulheres corajosas, como Armine Gosling orgulhosas.”
Ela caminhou até o balcão e abriu o pote de biscoitos.
“Chega de lição por hoje”.
Miranda colocou o papel sobre a mesa e deu um abraço apertado na avó.
por Vanessa Cardoso-Whelan
“Nana, você tem que puxar essa linha até o fim — deixa eu te ajudar.”
Miranda guiando a mão da avó com carinho sobre o papel. Juntas, traçam a letra D.
“Estou velha Flor,” disse Nana “Minhas mãos são duras.”
As duas sorriem.
“Você está indo bem, Nana. Continue.
“Obrigada minha Flor. Vou praticar... até o dia da votação.”
Os olhos de Miranda brilharam. “A sua persistência me lembra Armine Gosling, Nana.”
“Quem?”
“Armine Gosling!” Disse Miranda com entusiasmo. “Ela ajudou o movimento sufragista em Newfoundland.”
Miranda subiu numa cadeira e, como uma contadora de histórias nata, começou:
“Era uma vez — não num castelo mágico, mas na vida real, lá em Newfoundland — Havia uma mulher chamada Armine Gosling. Ela não usava coroa nem capa. Usava o cérebro. E a voz!”
Nana ouve atenta.
“Armine nasceu em 1861. Bem antes de você, Nana.”
“Imagino,” respondeu Nana, sorrindo.
“Ela era super inteligente, como eu. Virou professora ainda adolescente. Talvez eu também seja professora um dia.”
“Você já está me ensinando agora, minha Flor.”
“Quando se mudou pra St. John’s, Armine casou com um homem rico chamado William Gosling. Mas não ficou so tomando chá ou comprando chapéus. Nada disso! Ela escrevia cartas pros jornais, usando só as iniciais — A.N.G. — pra ninguém julgá-la por ser mulher.”
“Esperta ela,” disse Nana.
“Naquela época, mulher não podia votar. Mulheres adultas, como a mamãe, não podiam nem escolher seus governantes! “Entao...” Miranda estalou os dedos no ar. “ Armine disse: ‘Helloo? Isso não é justo!’”
Nana imitando Miranda. “Parecida com você essa Armine”.
“Pois é! Ela ajudou a criar o Clube de Leitura e Atualidades para Senhoras e depois a Liga pelo Voto Feminino, em 1920. Foi esse grupo que lutou pelo direito das mulheres ao voto.”
Finalizou Miranda com braços cruzados, como uma pequena revolucionária.
“Muito legal isso,” disse Nana. “Sabia que no Brasil também era assim? As mulheres não podiam votar. Nem a sua bisavó.”
“Espera — deixa eu terminar, depois você conta a sua história. Continue traçando.”
“Oh Desculpa.” Nana voltou a se concentrar, desenhando devagar a letra N.
“Um dia, Armine fez um discurso bem importante no Bennett Hall. Ela disse: ‘Se as mulheres pagam impostos e obedecem às leis, por que não podem ajudar a criá-las?’ Todo mundo aplaudiu — quer dizer, nem todo mundo. Os homens não. Só os espertos.”
“Com certeza,” Nana concordou.
“Em 1925, as mulheres em Newfoundland finalmente puderam votar — mas só se tivessem mais de 25 anos e possuíssem propriedades”
“Deixa eu te contar?” disse Nana, com um brilho nos olhos. “No Brasil foi parecido. Mas tem uma história real e engraçada sobre umas mulheres muito espertas... e uns galinheiros.”
“Galinheiros?” Exclamou Miranda.
“Isso mesmo. Em 1932, o Brasil passou uma lei dizendo que só podiam votar mulheres com emprego e propriedade. Entao algumas mulheres que não tinham propriedades em seu nome resolveram comprar galinheiros.
Miranda arregalou os olhos. “Mentira!”
“É verdade”. Disse Nana “Naquele tempo isso contava como propriedade. Algumas nem tinham galinhas — só precisavam do galinheiro pra fazer a lei funcionar a favor delas, e não contra.”
Miranda estalou os dedos. “Amém, Nana!”
As duas numa risada.
“Enfim,” continuou Miranda, “Armine continuou lutando por justiça até falecer, em 1942. E por causa dela — e de outras mulheres corajosas no mundo todo — a gente pode votar hoje. E um dia, eu também vou votar.”
Nana olhou para o papel sobre a mesa. As letras estavam trêmulas, mas eram dela.
“DONATA,” Miranda leu em voz alta. “Nana, por que você quer aprender a escrever seu nome?”
Nana se levantou: “Porque eu quero assinar meu nome no dia da votação. Quero registrar que eu votei — e deixar todas essas mulheres corajosas, como Armine Gosling orgulhosas.”
Ela caminhou até o balcão e abriu o pote de biscoitos.
“Chega de lição por hoje”.
Miranda colocou o papel sobre a mesa e deu um abraço apertado na avó.
Tracing Letters
by Vanessa Cardoso-Whelan
“Nanny, you gotta bring this line all the way, let me help you.”
Miranda took Nanny's hand, gently guided it across the page. Together, they traced the letter D.
“I’m old, Flor. My hands are crooked.” Said Nanny.
They shared a smile.
“You’re doing good, Nan. Just trace it.”
“Thanks my Flor. I’ll keep practicing... until voting day.”
Miranda’s eyes lit up. “Your persistence reminds me of Armine Gosling, Nanny.”
“Who?”
“Armine Gosling! She helped the Suffrage Movement in Newfoundland.”
Miranda hopped up onto a chair and like a storyteller she began.
“Once upon a time—not in a magical castle, but in real-life Newfoundland—there lived a woman named Armine Gosling. She didn’t wear a crown or a cape. She used her brain. And her voice!”
Nanny listening amused.
“She was born in 1861. That’s way older than you, Nanny.”
“I guess” Nanny smiled.
“She was super smart, like me and she became a teacher when she was still a teenager. Maybe I’ll be a teacher someday.”
“You’re teaching me right, my Flor."
“When she moved to St. John’s, she married a rich man named William Gosling. But she didn’t sit around sipping tea, and shopping for hats... Nope! She wrote letters to the newspaper using her initials—A.N.G.—so people wouldn’t judge her for being a woman.”
“That’s smart,” said Nanny.
“Back then, women couldn’t vote, Nanny. Grown-up women like Mommy couldn’t even choose their leaders! “ So…” Miranda snapped her fingers in the air. “Armine said, ‘Excuse me? That’s not fair!’”
Nanny mimicking her. “That sounds like you.”
“Exactly! So she helped start the Ladies Reading Room and Current Events Club, and then the Women’s Franchise League in 1920. That’s the group that fought for women’s right to vote.”
Miranda stood tall, her arms crossed like a miniature revolutionary.
“That’s very nice,” Nanny said. “Once upon a time, my dear, women in Brazil couldn’t vote either. Not even your great-grandmother.
“Wait—let me finish, then you tell me your history. Keep tracing.”
“Sorry.” Nanny refocused, slowly drawing the letter N.
“One day, Armine gave a big speech at Bennett Hall. She said, ‘If women pay taxes and follow laws, why can’t they help make them?’ And everyone clapped—well, not everyone, not the men, only the smart ones did.”
“That’s for sure,” Nanny nodded.
“In 1925, women in Newfoundland were finally allowed to vote—but only if they were over 25 and owned property.”
“Guess what?” Interjected Nanny with a twinkle in her eye. “Same thing in Brazil. But there’s a true and funny story about some very clever, very sneaky women—and chicken coops.”
“Chicken coops?” Miranda tilted her head.
“Yep. In 1932, Brazil passed a law that said only women with paying jobs and property could vote. So some smart women who didn’t own houses went out and bought chicken coops."
Miranda blinked. “You’re kidding.”
“No that’s true” said Nanny. “In that time that could count as property. Some didn’t even have a single chicken. They just needed the coop to make the law work for them instead of against them."
Miranda snapped her fingers. “Amen, Nanny!”
They laughed.
“Anyway,” Miranda continued, “Armine kept fighting for fairness until she passed away in 1942. And because of her, and other brave women all over the World, we can vote now. And one day, I will vote too.”
Nanny looked down at the paper on the table. The letters were shaky, but they were hers.
“DONATA,” Miranda read it out loud. “Nanny, why do you want to learn to write your name?”
Nanny stood up “Because I want to sign my name on voting day. I want to register that I voted, and make all those brave women like Armine Gosling proud”.
She walked over to the counter and opened the cookie jar.
“The lesson is over for today”.
Miranda placed the paper on the table and gave Nanny a big hug.
by Vanessa Cardoso-Whelan
“Nanny, you gotta bring this line all the way, let me help you.”
Miranda took Nanny's hand, gently guided it across the page. Together, they traced the letter D.
“I’m old, Flor. My hands are crooked.” Said Nanny.
They shared a smile.
“You’re doing good, Nan. Just trace it.”
“Thanks my Flor. I’ll keep practicing... until voting day.”
Miranda’s eyes lit up. “Your persistence reminds me of Armine Gosling, Nanny.”
“Who?”
“Armine Gosling! She helped the Suffrage Movement in Newfoundland.”
Miranda hopped up onto a chair and like a storyteller she began.
“Once upon a time—not in a magical castle, but in real-life Newfoundland—there lived a woman named Armine Gosling. She didn’t wear a crown or a cape. She used her brain. And her voice!”
Nanny listening amused.
“She was born in 1861. That’s way older than you, Nanny.”
“I guess” Nanny smiled.
“She was super smart, like me and she became a teacher when she was still a teenager. Maybe I’ll be a teacher someday.”
“You’re teaching me right, my Flor."
“When she moved to St. John’s, she married a rich man named William Gosling. But she didn’t sit around sipping tea, and shopping for hats... Nope! She wrote letters to the newspaper using her initials—A.N.G.—so people wouldn’t judge her for being a woman.”
“That’s smart,” said Nanny.
“Back then, women couldn’t vote, Nanny. Grown-up women like Mommy couldn’t even choose their leaders! “ So…” Miranda snapped her fingers in the air. “Armine said, ‘Excuse me? That’s not fair!’”
Nanny mimicking her. “That sounds like you.”
“Exactly! So she helped start the Ladies Reading Room and Current Events Club, and then the Women’s Franchise League in 1920. That’s the group that fought for women’s right to vote.”
Miranda stood tall, her arms crossed like a miniature revolutionary.
“That’s very nice,” Nanny said. “Once upon a time, my dear, women in Brazil couldn’t vote either. Not even your great-grandmother.
“Wait—let me finish, then you tell me your history. Keep tracing.”
“Sorry.” Nanny refocused, slowly drawing the letter N.
“One day, Armine gave a big speech at Bennett Hall. She said, ‘If women pay taxes and follow laws, why can’t they help make them?’ And everyone clapped—well, not everyone, not the men, only the smart ones did.”
“That’s for sure,” Nanny nodded.
“In 1925, women in Newfoundland were finally allowed to vote—but only if they were over 25 and owned property.”
“Guess what?” Interjected Nanny with a twinkle in her eye. “Same thing in Brazil. But there’s a true and funny story about some very clever, very sneaky women—and chicken coops.”
“Chicken coops?” Miranda tilted her head.
“Yep. In 1932, Brazil passed a law that said only women with paying jobs and property could vote. So some smart women who didn’t own houses went out and bought chicken coops."
Miranda blinked. “You’re kidding.”
“No that’s true” said Nanny. “In that time that could count as property. Some didn’t even have a single chicken. They just needed the coop to make the law work for them instead of against them."
Miranda snapped her fingers. “Amen, Nanny!”
They laughed.
“Anyway,” Miranda continued, “Armine kept fighting for fairness until she passed away in 1942. And because of her, and other brave women all over the World, we can vote now. And one day, I will vote too.”
Nanny looked down at the paper on the table. The letters were shaky, but they were hers.
“DONATA,” Miranda read it out loud. “Nanny, why do you want to learn to write your name?”
Nanny stood up “Because I want to sign my name on voting day. I want to register that I voted, and make all those brave women like Armine Gosling proud”.
She walked over to the counter and opened the cookie jar.
“The lesson is over for today”.
Miranda placed the paper on the table and gave Nanny a big hug.
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Vanessa Cardoso-Whelan (she/her)
Hailing from Brazil, Vanessa Cardoso-Whelan (she/her) is a playwright, multidisciplinary artist, and clown with a passion for contemporary theatre and body movement. Graduating in Theatre Arts in 2004, she has performed with several artistic groups on stage, and in street productions as an actress, and dancer. Vanessa has been actively engaged in the local arts scene since moving to NL in 2014. She likes to give her art back to the community, doing volunteer workshops and performances for new Canadians/refugees and non-profit organizations. Inspired by Nature, Vanessa loves the mountains on the west coast of Newfoundland, it reminds her of home. |
